segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Da arquibancada para a história


Quando o torcedor sobe a rampa de acesso à arquibancada, geralmente não espera nada mais do que assistir ao espetáculo e ir embora, saindo da mesma maneira anônima como entrou. Às vezes, no entanto, mesmo inconscientemente, o sujeito entra para a história.

Em primeiro de dezembro de 1988, o Botafogo, passando por uma grave crise (não levantava uma taça sequer havia vinte anos), levava uma goleada do Vasco no Maracanã (3 a 0, fora o baile). Na beira do campo, uma torcedora-mirim chorava copiosamente: era a gandula Sonja Martinelli (sequência de fotos acima). Ela não imaginava que aquelas lágrimas infantis a tornariam um símbolo vivo do seu Botafogo. No ano seguinte, o jejum de conquistas acabaria, as lágrimas dariam lugar ao sorriso no rosto de Sonja, e os supersticiosos botafoguenses, claro, elevariam Sonja à condição de principal responsável pelo fim do sofrimento.

Seis anos antes de 1988, em Barcelona, outras lágrimas infantis haviam comovido a nação: era um brasileirinho derramando seu desespero nas arquibancadas do Sarriá, após a derrota da Seleção para a Itália de Paolo Rossi, na Copa do Mundo. A imagem, capturada pelo fotógrafo Reginaldo Manente, viraria um símbolo daquela derrota. O menino tinha 10 anos e se chamava José Carlos Rabello Júnior, mas só teve sua identidade descoberta oito anos depois, em uma reportagem durante a Copa do Mundo de 1990. Hoje, José Carlos é advogado, e confessa ainda chorar por causa de futebol.

A foto histórica (tirada por Reginaldo Manente).

O caso mais emblemático de torcedor famoso vem dos Estados Unidos, porque a sua notoriedade tem um motivo especial: ele parece ter de fato alterado o rumo da história.

No baseball, quando uma bola é rebatida na direção da arquibancada, os fãs inevitavelmente se levantam e lutam para pegá-la. Principalmente quando se trata de um jogo importante, a bola é um autêntico troféu (que pode valer muito dinheiro - há bolas que já foram leiloadas por centenas de milhares de dólares). Foi somente isso que Steve Bartman, adepto do Chicago Cubs, fez: levantou e lutou pela bola rebatida. Não poderia imaginar que aquela simples ação - absolutamente comum nos jogos de baseball - alteraria sua vida de forma tão dramática.

Cabe um parágrafo para explicar toda a atmosfera ao redor daquele jogo: o Chicago Cubs não vencia a World Series (decisão do título maior do baseball) desde 1908. O time sequer disputava a World Series desde 1945 (para chegar à World Series, o Chicago Cubs precisa vencer a National League). Em 2003, no entanto, a longa fila parecia estar chegando ao fim: o time disputava a final da National League e, numa melhor-de-7 contra o Florida Marlins, abriu 3 a 1. Bastava, portanto, uma vitória nos três jogos restantes (sendo os dois últimos em casa). A derrota no quinto jogo, na Flórida, chegou a ser "comemorada": afinal, após tão longa espera, nada melhor que festejar a conquista em casa. No jogo 6, tudo corria bem: vitória por 3 a 0, faltando apenas 2 innings para o fim (um jogo de baseball tem 9 innings). Enfim, após 58 anos, o Chicago Cubs estava a um milímetro da glória na National League, a um milímetro de voltar a disputar a World Series. A atmosfera no Wrigley Field era a melhor possível. Até que Luis Castillo, do Florida Marlins, rebateu aquela bola fatídica.

A bola voou na direção da arquibancada, muito próxima da beirada: local exato do assento ocupado por Steve Bartman. Ele e os torcedores próximos, instintivamente, se levantaram. Enquanto isso, no campo, o atleta Moisés Alou, do Chicago Cubs, corria para tentar pegar a bola. Se conseguisse, o time estaria ainda mais próximo do triunfo. Mas Steve Bartman esticou o braço, e desviou a bola das mãos de Moisés Alou. O fã Steve Bartman nem sequer ficou com a bola - que escapou por entre seus dedos e foi parar nas mãos de um de seus "vizinhos". Moisés Alou olhou furioso para a arquibancada, certo de que pegaria aquela bola se não fosse a interferência do público.
O momento fatídico de Steve Bartman e Moisés Alou.

A plateia silenciou-se, apavorada. O time do Chicago Cubs estava atordoado, apesar de ainda estar vencendo por 3 a 0. O Florida Marlins iniciou ali uma reação inacreditável, virando o placar para 8 a 3 e vencendo o sexto jogo. As emissoras de TV reprisaram o lance fatídico centenas de vezes. Os torcedores próximos pareciam querer linchar o pobre Steve Bartman, que teve que sair escoltado e disfarçado do estádio.

O sétimo jogo, também disputado no Wrigley Field, foi vencido pelo Florida Marlins, que conquistou assim a National League e foi à World Series.

Steve Bartman era o bode expiatório perfeito para mais um fracasso do Chicago Cubs. (observação adicional: alguns torcedores acreditam piamente que o Chicago Cubs não vence mais por causa da "Maldição do Bode" - uma "praga" que data de 1945 - ano da última World Series disputada pelo time). Bartman passou a ser - contra a própria vontade - uma celebridade nacional. Todos os programas de humor norte-americanos caçoaram do pobre fã. Os torcedores do seu próprio time o odiavam, mesmo sabendo que teriam agido exatamente da mesma forma naquela situação.

Uma das caricaturas de Steve Bartman.

A bola daquele lance foi leiloada em dezembro de 2003 - um restaurante a comprou por US$ 113.824,16. Dois meses depois, a "relíquia" foi destruída em um evento público no próprio restaurante.

A cadeira ocupada por Bartman naquela noite - seção 4, linha 8, assento 113, virou um ponto de peregrinação no Wrigley Field.

Famoso ponto turístico de Chicago.

Steve Bartman já recebeu ofertas milionárias para fazer filmes e propagandas - recusou todas. Não dá entrevistas, e nunca mais foi a um jogo de baseball.

Em 2008, o Chicago Cubs completou cem anos sem vencer a World Series. Até hoje, o time não conseguiu voltar a disputar a grande decisão.

PC

2 comentários:

  1. Impossível saber se o jogador de fato pegaria a bola. Quem mais perdeu na história foi o Bartman e o tal restaurante que comprou a bola.

    ResponderExcluir
  2. Um torcedor maldoso diria que quem mais perdeu na história foi o Chicago Cubs. hehe!

    ResponderExcluir

Regras para postar comentários:

I. Os comentários devem se ater ao assunto do post, preferencialmente. Pense duas vezes antes de publicar um comentário fora do contexto.

II. Os comentários devem ser relevantes, isto é, devem acrescentar informação útil ao post ou ao debate em questão.

III. Os comentários devem ser sempre respeitosos. É terminantemente proibido debochar, ofender, insultar e/ou caluniar quaisquer pessoas e instituições.

IV. Os nomes dos clubes devem ser escritos sempre da maneira correta. Não serão tolerados apelidos pejorativos para as instituições, sejam quais forem.

V. Não é permitido pedir ou publicar números de telefone/Whatsapp, e-mails, redes sociais, etc.

VI. Respeitem a nossa bela Língua Portuguesa, e evitem escrever em CAIXA ALTA.

Os comentários que não respeitem as regras acima poderão ser excluídos ou não, a critério dos moderadores do blog.