terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Os primórdios do Flamengo

Amigos, em semana de Fla-Flu, vou contar aqui um pouco da história dos primórdios do Flamengo, aproveitando para ilustrar o post com imagens de seus primeiros uniformes e times.

Até 1911, o Flamengo era um clube só de regatas. O remo era o principal esporte do Brasil, ocupava a quase totalidade das páginas esportivas dos jornais. O Flamengo era um clube elitista, da Zona Sul do Rio de Janeiro, que praticava o remo, e somente o remo. E era feliz assim.

O futebol já era praticado na cidade, desde a fundação do Fluminense, em 1902. A partir de 1906, passaram a acontecer os campeonatos. A tabela era montada de acordo com as regatas: ninguém era doido de querer marcar uma partida de futebol para o dia de uma regata! O campo ficaria vazio, afinal toda a população estaria na Enseada, curtindo os seus remadores.

De 1906 a 1909, a hegemonia no futebol foi do Fluminense. Após o tetra tricolor, o Botafogo venceu em 1910. Em 1911, o Fluminense voltou a ser campeão, vencendo todas as partidas do certame.
Fluminense campeão invicto de 1911.
Em cima: Píndaro, Baena e Neri.
No meio: Orlando, Lawrence, Amarante e Galo.
Em baixo: Oswaldo Gomes, Alberto Borgerth, Gustavo e James Calvert.

Em campo, as coisas iam muito bem para o Fluminense, mas fora dele não. O center-forward Alberto Borgerth, aborrecido por não ter jogado as duas últimas partidas de 1911, desfiliou-se do Fluminense, e junto com ele saíram outros oito titulares. Da equipe titular, apenas Oswaldo Gomes e James Calvert permaneceram no Fluminense.

O time campeão estava à procura de um novo lar. O Botafogo não era uma opção, porque havia sido o grande rival deles, e além disso não disputaria o Campeonato de 1912 (o Botafogo saiu da Liga, em solidariedade ao seu atleta Abelardo Delamare, suspenso por dar um tapa em Gabriel de Carvalho, do América). Então, os atletas campeões foram bater à porta do Clube de Regatas do Flamengo. Diga-se: foi uma luta convencer o Flamengo a entrar para o futebol. O Flamengo não devia ter nem 60 sócios, não havia conquistado um único campeonato de remo, mas mesmo assim impôs condições, fez tudo para não ser um clube de futebol. Até mesmo recebendo um time campeão quase completo, o Flamengo não queria entrar para o futebol.

O Flamengo hesitou, hesitou, mas acabou cedendo. Aceitou o futebol, para fazer uma experiência. Se futebol e remo não combinassem, adeus futebol. E poderiam não combinar, então a camisa do futebol deveria ser bem diferente da camisa do remo. Seriam praticamente dois clubes vivendo sob o mesmo teto: o de remo, com sua camisa em grossas listras horizontais, pretas e vermelhas; e o de futebol, com sua camisa de quadrados pretos e vermelhos, quadrados enormes. A camisa logo ganhou um apelido: "papagaio-vintém". Elas pareciam "papagaios" (pipas), comprados por qualquer vintém.

(réplica moderna da camisa papagaio-vintém)

Com a papagaio-vintém, o Flamengo jogou seus dois primeiros campeonatos, 1912 e 1913. Em 1912, perdeu o título por um ponto, para o Paysandu (a derrota no primeiro Fla-Flu, para os ex-reservas, foi determinante para a perda do título). Em 1913, o campeonato foi para as mãos do América, ficando o Flamengo em terceiro. Os jogadores do Flamengo reclamavam que a camisa era feia, podia estar trazendo azar. E assim o Flamengo não mais entrou em campo com a papagaio-vintém.

O Flamengo mudou a camisa. Mas continuava com a mesma história: nada de misturar futebol com remo. O remo com sua camisa em listras horizontais pretas e vermelhas. O futebol com sua camisa em listras horizontais pretas e vermelhas, mas com um friso branco separando-as, distinguindo o futebol do remo. A nova camisa também ganhou um apelido: "cobra-coral". Os jogadores mais magros ficavam mesmo parecidos com cobras, principalmente seus braços.
(réplica moderna da camisa cobra-coral do Flamengo)

Os jogadores do Flamengo tiveram que aturar o apelido. Não podiam dizer que a cobra-coral dava azar, afinal levantaram o bicampeonato, em 1914 e 1915. Os primeiros campeonatos da história do Flamengo, seja em futebol, seja em remo. Curiosamente, o Flamengo de Regatas só foi ser campeão no remo depois de ser campeão no futebol. O futebol do Flamengo fez o seu remo ficar mais forte.
(time do Flamengo com a camisa cobra-coral)

Mas veio a Primeira Grande Guerra Mundial, e os submarinos alemães afundaram navios brasileiros. Um olhar mais atento viu uma forte semelhança entre a camisa do futebol do Flamengo (a cobra-coral) e a bandeira da Alemanha, inimiga de guerra. Além do friso branco, o Flamengo tinha sócios alemães, e as pessoas olharam com desconfiança. Então o Flamengo expulsou os sócios germânicos, retirou o friso branco, e estava tudo resolvido. Remo e futebol, mesma camisa, listras horizontais pretas e vermelhas. Ninguém se importava mais: o futebol ganhava popularidade, e o Flamengo já era mesmo um só clube, de remo e de futebol. No dia 28 de maio de 1916, o Flamengo foi à Rua Ferrer enfrentar o Bangu. E aquela derrota por 4 a 2 foi o último jogo da camisa cobra-coral. Em 4 de junho, na Rua Paysandu, o Flamengo venceria o São Bento/SP por 3 a 1, pela primeira vez com o uniforme rubro-negro em listras horizontais.

Não houve insinuações de que a camisa dava azar, apesar da longa espera até levantar novamente a taça. Em 16, o América conquistou seu segundo título, e de 17 a 19 o Fluminense foi tricampeão. Somente em 20 o Flamengo voltaria a levantar o Campeonato do Rio de Janeiro. Até hoje, o Flamengo joga com sua camisa em listras horizontais pretas e vermelhas. E assim será para sempre.

PC

Fontes de pesquisa:
[1] "O Negro no Futebol Brasileiro" (Mario Filho).

4 comentários:

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